Esta sequência de textos, que se inicia no Até de repente #20, continua no Até de repente #21, #22, #24 e termina no #25.
A lajota fria do banheiro tocava a parte exposta da pele, o que não era, necessariamente, um problema. Era dezembro em Porto Alegre e embora a cidade seja referência de frio para residentes de outros Brazis, entre os locais, é frequentemente chamada de Forno Alegre durante o verão.
Anos depois, Su comentaria sobre a estética do banheiro com uma colega de trabalho, que chamaria a simétrica separação entre lajotas pretas e brancas nas paredes de “cafona”, ressaltando a brevidade de tendências.
Após incessantes batidas na porta, Su sentou-se no chão do banheiro. Perguntou-se como era possível nunca ter pensado naquilo. Em deitar no chão totalmente preto com a porta trancada. Agora que havia desfrutado do momento, parecia-lhe óbvio: apenas ali, uma adolescente conseguiria um fio de privacidade na casa dos pais, à base de um banho ou de uma dor de barriga fictícios.
Enquanto limpava o rosto, Su podia ouvir a mãe se afastar pelo corredor em direção ao quarto da frente. Gostaria de sentir o fresco afago do banheiro por horas, mas, por enquanto, os breves minutos teriam de ser suficientes. Levantou-se e pôs-se diante do espelho. Seu rosto estava inchado. Seus olhos, vermelhos.
Com a mão na maçaneta, ela respirou fundo. No fim da exalação, pôs a outra mão no trinco.
A porta estava aberta.
Su saiu do banheiro em direção ao seu quarto, reconhecendo a mulher no espelho.
Créditos da imagem: "Fata morgana no. 1", de Antonio Obá