Amanda, um amiga da minha mãe que me conhece desde a terceira série. Quando eu era criança, me doava roupas velhas do marido — por isso, procurando por aí, você encontra algumas fotos minhas vestindo um blusão de lã de tio aposentado aos nove anos de idade. Amanda virou mãe de santa. O marido dela, pai. Minha mãe comparecia semanalmente na terreira deles, até que a fé enfraqueceu. Amanda gosta de postar imagens motivacionais nos stories, provavelmente recebidas via WhatsApp. Ela curte os meus textos quando publico, pois sabe que a escrita é uma paixão desde a infância.
José, o marido de Amanda, não publica nada, mas sempre consta como visto nos meus stories.
Leonardo, minha antiga paixão da quarta série. Foi o primeiro menino gay pelo qual me apaixonei (eu acho). Ele tá calvo (eu acho). E casado (eu acho). Não fez faculdade (eu acho). Morou na Europa (eu tenho certeza, pois vi todas as fotos).
Patrícia, uma menina que conheci na Internet quando éramos adolescentes. Mora na Alemanha há anos. Visita a mãe no Brasil às vezes. O pai dela morreu. Apesar do afastamento, concluí que ela não me odeia e que não odeio ela. Gosto de ver ela sorrindo. Arranjou um gringo na Alemanha. Ele tem um sorriso bonito também.
Jenny posta coisas da sua rotina exclusivamente nos close friends. Alunos insuportáveis que não ligam mais para a literatura. Mais um gato que ela adotou. Estresse familiar (por isso ela gosta mais de gatos do que de pessoas). O TCC está a matando. A seleção do mestrado está a matando. O ônibus sem ar condicionado está a matando. A fila do restaurante universitário, enorme, a mata todos os dias.
Luiza está solteira. Boomerang de taças batendo uma na outra no ar. Boomerang com as amigas. Foto do rosto maquiado. Foto do cabelo com nova cor e progressiva. Foto das unhas sendo feitas no salão. Foto de uma xícara de café bonita, com um bom dia entusiasmado, em letras garrafais, e uma música do Nando Reis. Caixa de pergunta: qual é a boa da noite? #sextou
Orlando está cansado do trabalho, pois trabalha o tempo todo. Cedo da manhã, posta foto na academia, informado que o de hoje está pago. Na sequência, vai para o trabalho. Tira foto da mesa. Tira foto do café. Tira foto da tela do computador com o café em segundo plano. Tira uma selfie com cara de cansado e posta com a legenda e recém é segunda-feira. Sai do trabalho e vai direto para o karatê. Oss. Orlando segue: Luciano Hulk, Tabata Amaral, Joel Jota, Elon Musk, Zé Felipe, entre outros.
Miguel tem duas fotos postadas no feed, de quatro anos atrás. São as mesmas duas fotos que usa no Bumble, no Tinder e no Happn. Miguel segue todas as gatinhas que deu match nas redes sociais de namoro. Miguel olha os stories delas todos os dias. Miguel reage com foguinho. Miguel reage com par de olhinhos olhando para a esquerda. Miguel manda um coraçãozinho. Miguel tem 1,62 de altura e a autoestima também é baixa, mas você não saberia pelo o que ele posta — ao menos que tenha dado confiança à reação de Miguel à foto do seu cachorro —, porque ele não posta nada.

Fernanda nasceu em Faxinal do Soturno, cidade com aproximadamente 6.500 habitantes no interior do Rio Grande do Sul. Mudou-se para Santa Maria para cursar Enfermagem, mora na casa do estudante da universidade pública, mas decidiu tentar a vida de influenciadora digital. Faz vídeos sobre unhas e cabelos para o Youtube. Edita os vídeos do Youtube e faz reels para o Instagram. Tira print do reels e posta nos stories, informando que tem novidade no feed.
Betinho edita seus stories sempre com o mesmo filtro, o que virou a sua marca. Posta foto de look. Posta foto da sua arte. Posta foto de um milkshake em uma lancheria com conceito instagramável. Eu não enxergo nada que José posta, pois não entendo como o filtro escuro deveria funcionar.
Adilson, meu pai. Nos stories, faz joinha com uma mão enquanto segura um copo de chopp com a outra. No WhatsApp, me envia reels de pegadinhas, pois não sabe enviar direct no Instagram.
Flávia, amiga de Patrícia, que acabei conhecendo por tabela. Nunca a vi pessoalmente. Mora em Salvador e sempre morou lá, até onde eu sei.
Débora, que estudou comigo da primeira série até o último ano do ensino médio. Eu não vou com a cara dela — nunca fui. Mas ela parece ir com a minha.
Lucas, que gostava muito de Débora durante a época da escola. Eu gostava muito de Lucas, mas ele não gostava de mim. Débora e Lucas namoraram por alguns anos. Hoje, Lucas namora outra garota. Eu não gosto dela também, apesar de não saber seu nome.
Rosângela, amiga de anos que conheci na faculdade. A gente não se fala mais tanto, mas sei que ela se interessa pela minha vida e ela sabe que me interesso pela dela. Só não é a hora.
Vera, que morreu ano passado, mas cujo perfil ainda é atualizado pelos filhos, em homenagem.
todo mundo estando e ninguém sendo ❤️