Até de repente #64
Depois de seis meses parada, resolvi voltar para a dança. Venho sofrendo com esse recomeço, afinal, o corpo (que já não é mais o mesmo de seis meses atrás) sente — se acostuma com a inércia e esquece o que é brincar com as noções de ritmo e de tempo, proposta principal do hip hop. Além disso, troquei de escola. Agora, pratico minha atividade física preferida em um novo espaço, com novos colegas e com uma nova professora, que tem seu próprio gosto musical e a sua própria percepção de dança e de musicalidade.
Na minha primeira escola, as aulas eram assim: o professor passava uma sequência de passos sociais e trabalhávamos eles em diferentes músicas, variando a mesma sequência em ritmos lentos e acelerados. Do jeito que vejo, a proposta era que, mesmo que aos poucos, conseguíssemos entender o que estávamos propondo ao nosso corpo. Nessa escola, as aulas de hip hop eram oferecidas duas vezes por semana e repetíamos a mesma sequência durante esse período (durante uma semana).
Na nova escola, a professora associa a coreografia com uma música específica. Não há a possibilidade de iniciar a sequência com uma música mais lenta para só então ir para uma música mais rápida. Ah, você acha o refrão de Vai na Fé, da Negra Li, muito rápido? Que pena. Tenta de novo. Aqui, as aulas de hip hop são oferecidas uma vez por semana, mas a coreografia é a mesma durante duas aulas (ou seja, durante duas semanas).
O que sempre me impressiona no processo de aprender uma coreografia é perceber como os intervalos de tempo são essenciais. No fim da aula na escola nova, a professora oferece um tempo para pensarmos. Durante esse tempo, que dura em torno de três minutos, mexe o corpo quem quer, no ritmo que quer, retomando o que achar melhor. São minutos para reconhecermos o processo cognitivo envolvido no ato da dança, da ligação entre a intenção da mente e a capacidade do corpo.
De uma aula para a outra, o corpo e a mente têm tempo para processar o que é aprendizado. Na primeira aula do meu retorno, uma colega comentou “Nem filmo mais os meus movimentos no primeiro dia de coreografia!”. Não é que fica perfeito, mas melhora, e perceber esse avanço é o que nos mantém dançando.

No momento, acho que não preciso de terapia. Ela riu ao me ouvir falar. Não acho que tenho algo para tratar. A risada continuou, de um jeito que as outras pessoas no restaurante começaram a perceber a tensão entre nós. Você acha que eu tenho algo para tratar? Perguntei em um tom mais baixo, considerando a possibilidade estar errada. Ela conteve o riso para poder tomar um gole d’água. Soltou um Ai ai enquanto devolvia o copo à mesa.
As frases são infames. Provavelmente, já foram ditas pelo seu amigo mais lelé da cuca. Eu entendo a reação — até porque, já estive do outro lado da mesa. Fiz terapia por muitos anos de forma contínua e, sinceramente, não acho que teria sobrevivido aos anos de mestrado sem ela. Mas em momentos específicos da vida, é necessário ser prático. Foi algo que uma ex colega da área da psicologia me disse uma vez, enquanto eu tinha uma crise de choro no trabalho: é importante ter espaço seguro para teorizar, mas também é necessário ter espaço para ser prático.
Queria marcar uma consulta com a Fernanda e perguntar qual é que é da minha sexualidade e de todos os medos todos que tenho. Mas ela não vai ter respostas para me dar. Às vezes, precisamos de terapia. Outras, de tempo, para só então precisarmos de terapia de novo.

Mermão, como é difícil escrever! Deixo essa mensagem a todos os leitores que, assim como eu, fazem um esforço descomunal para não se afastar do processo de escrita — não porque o tem como um dever, mas porque o tem como uma necessidade de sobrevivência. Levou umas quatro horas para escrever este texto aqui, que chega a vocês com um desenvolvimento raso e uma revisão muito da mequetrefe, e só consegui escrevê-lo porque nossos alunos estão de férias. É difícil ter carteira assinada e ser escritor.
Até de repente,
Fanny